domingo, 17 de novembro de 2013

Greve custou R$ 20 mi de publicidade aos cofres públicos

Os professores garantem que a greve, que durou 53 dias, foi vitoriosa. Também afirmam que o governo recuou, mas admitem que deveriam ter obtido mais conquistas se o movimento não tivesse paralisado. Já o governo, que viu radicalismo exacerbado e intransigência nos grevistas, diz que quem recuou foram os grevistas, que tiveram de voltar correndo às salas de aula depois que professores temporários foram contratados para que os alunos não fossem prejudicados pela paralisação. No meio do tiroteio de acusações mútuas, os maiores interessados, os alunos, cuja reposição dos dias parados deve invadir parte de todo o primeiro semestre de 2014, contabilizam grandes prejuízos, como atraso do calendário escolar, além da preparação para o Enem, único meio de ingresso no ensino superior.
Qual o custo financeiro e político da paralisação? O governo não revela quanto gastou ao direcionar suas verbas publicitárias para emitir notas, comunicados e ameaças aos grevistas, por meio de rádios, jornais e nos horários nobres das emissoras de televisão, mas estimativas extra-oficiais, de uma fonte governamental, calculam que isso não ficou por menos de R$ 15 milhões. Outros R$ 5 milhões teriam sido gastos com a mobilização do aparelho policial, transporte, alimentação e combustível. Total do desembolso: R$ 20 milhões.
O uso do dinheiro público para tentar convencer a opinião pública do fracasso das negociações com os grevistas e explicar uma paralisação de 53 dias que sequer poderia ter ocorrido, se na estrutura de poder houvessem interlocutores com jogo de cintura suficiente para conduzir as negociações com lucidez e transparência, evitando tantos prejuízos aos estudantes, mais pareceu um tiro no próprio pé disparado pelo governo.
Nas caríssimas notas de jornais, o governo fez-se de vítima, deixando à mostra a fragilidade de má condução nas negociações. O que se ouvia pelas ruas é que os professores radicalizavam, porque o governo também era radical, empurrava as negociações com a barriga, tentando vencer os grevistas pelo cansaço. Uma estratégia logo percebida pelos grevistas, que responderam com a invasão do prédio da Assembleia Legislativa.Greve custou R$ 20 mi aos cofres públicos (Foto: Jader Paes/Diário do Pará)
O recado era claro: se o Ministério Público nada fazia e estava ao lado do governo - a promotora, Graça Cunha, chegou à bizarrice de propor o corte do ponto dos grevistas – e até o Judiciário, por intermédio da juíza Rosana Canellas, havia sentenciado a abusividade da greve - derrubada em um despacho cheio de críticas do ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) -, cabia ao Legislativo romper seu tradicional imobilismo e fazer alguma coisa como suposto representante dos interesses da população.
Enquanto o tempo passava e os prejuízos dos estudantes cresciam, o governador Simão Jatene, ele próprio um professor, embora hoje divorciado dos tormentos de quem frequenta muitas escolas públicas quase caindo aos pedaços e que necessitam de urgentes reformas por todo o Estado, preferia atuar nos bastidores, quando a gravidade da situação exigia que estivesse à frente de liderados incapazes de demonstrar clareza e coragem para resolver o problema. Não foi por falta de aviso ou apelo, inclusive de alguns deputados estaduais tucanos e daqueles que compõem a chamada base aliada. Jatene fez ouvido de mercador e continuou a ignorar as vozes da razão.
Quando viu, porém, que definitivamente havia perdido o controle da situação e num gesto de desespero, o governador saiu da toca e decidiu atacar com as armas que lhe restavam: mandou cortar o ponto dos grevistas e anunciou a contratação de professores temporários no lugar daqueles que se recusavam a voltar às salas de aula. Mas deixou no ar, para todos, uma contradição: se não tinha dinheiro para pagar o retroativo dos grevistas, como alegou, pedindo tempo para fazer crescer o bolo da arrecadação para só depois dividi-lo, de onde tiraria o dinheiro para pagar os temporários?
Já divididos entre a permanência e o fim da greve, os professores e demais trabalhadores da educação, por outro lado, decidiram na quinta-feira voltar às aulas, percebendo que teriam de sair por cima para driblar a mão pesada e autoritária do governo. A luta, segundo eles, deve continuar, agora dentro das salas de aula, cara a cara com os estudantes, por melhores condições de trabalho e aprendizado.
Sobrou, para o governo, a dura lição de um alto custo político da greve: ainda há muito a ser feito em 2014 para recuperar as escolas que estão em péssimas condições, em Belém e no interior do Estado. Afinal, será um ano de eleições. E a desculpa da falta de verbas para investimentos em educação deve desaparecer, como num passe de mágica.
Professor e aluno dizem quem perdeu com a paralisação
Professores de escolas privadas têm uma visão diferente da paralisação no serviço público. Eles consideram qualquer greve justa, desde que não prejudique os interesses da maioria da população, que depende da política governamental para a educação. Elias Souza, que leciona em uma escola do bairro de Batista Campos, considera que os estudantes da rede pública estadual ficaram no meio da briga entre o governo e os professores. “Se um não quer pagar e o outro não quer trabalhar, o prejuízo é enorme para quem quer estudar”, salienta Souza.
O estudante Walber Rezende, que cursa o 2º ano do segundo grau, lamenta que o aluno que não pode pagar uma escola particular seja transformado em bola de pingue-pongue nas mãos de governo e grevistas, sem poder se defender. Ele vê isso como “covardia” e critica a posição do Estado e dos professores que paralisaram suas atividades, afirmando que ambos os lados pensaram apenas em seus interesses, sem se importar com os que ralam para frequentar uma escola, às vezes até sem dinheiro para a merenda.
“É preciso pensar que educação não é brinquedo e que dela dependem milhões de jovens que sonham em ter qualificação de aprendizado para almejar um bom emprego no futuro. Os que entraram em greve não pensaram nisso. Agora, de pior forma agiu o governo, que, além de não negociar o fim da greve, partiu para a ameaça de demissão e de corte do ponto, de olho apenas na eleição do ano que vem”, critica Helena Valkberg, professora, que se diz “incomodada” com a apatia das entidades de pais de alunos de escolas públicas, acusando-as de nada fazer para cobrar do governo e dos professores uma “negociação séria”.
Toda greve deixa lições, mas nem sempre alguém aprende com isso, avalia o professor Edilberto Santos Farias, que leciona em escola particular, mas tem dois filhos em escola pública. Durante os 53 dias da greve, conta ele, as crianças sentiram dificuldades em prosseguir nos estudos. “Tive que dar mais atenção a elas, afinal tinham um professor dentro de casa e não seria justo deixar que pagassem pelos erros do governo do Jatene e do Sindicato dos Professores, que preferiram brigar a resolver os problemas da educação”. Farias diz que os alunos que não têm pais professores foram os mais prejudicados com a greve.
Sintepp aponta lado positivo
Quais os pontos positivos e negativos da greve dos trabalhadores em educação, que durou 53 dias e deixou sequelas entre os próprios professores, governo do Estado e, principalmente, os estudantes? O coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), Mateus Ferreira, disse ao DIÁRIO que os pontos negativos foram dois: a jornada de trabalho não foi atendida, como a categoria esperava, enquanto o pagamento do retroativo não atende às expectativas, porque diz quando começa, mas não diz quando termina.
De positivo, Ferreira inclui o concurso público e a lei específica para a eleição direta de diretor de escola. No meio termo, ficou o cronograma de reforma das escolas. “O próprio governo ainda não sabe o que fazer com os R$ 350 milhões que diz pretender investir, um dinheiro que é fruto de empréstimo do Banco Mundial”, arremata. Segundo o sindicalista, o governo sofreu um grande desgaste, porque a população “ficou ao lado dos professores”.
Os próprios alunos, diz Ferreira, em muitas escolas se recusaram a assistir aulas de professores contratados como temporários em substituição aos grevistas. Ele também viu desgaste na imagem pessoal do governador, porque a greve, segundo entende, ajudou a mostrar as precárias condições das escolas. Outro erro foi a contratação de temporários durante o período da greve, porque, na avaliação de Ferreira, os novos professores não sabiam o conteúdo das matérias com as quais os que entraram em greve estavam trabalhando.
Para Silvia Letícia, também diretora do Sintepp, a greve foi positiva porque foi de massa, obtendo grande número de adesões, tanto na região metropolitana de Belém quanto no interior do Estado, onde os mais de 70 maiores municípios paralisaram todas as atividades educacionais. Para ela, a manifestação provocou “recuos importantes” do governo, que ficou dois anos sem negociar com a categoria, provocando enorme insatisfação e a radicalização do movimento. Ao todo, nos últimos dois anos, foram 44 negociações entre governo e a categoria, mas que não avançaram, porque o governo não cumpriu nenhuma das propostas que apresentou.
Assédio
Ela discorda da alegação governamental de que 90% da pauta foi atendida e salienta que a categoria recuou em pontos importantes da pauta para que a negociação fosse reaberta. “Nós reduzimos a lotação por jornada, que era de um terço, parcelamos em 12 vezes o pagamento do retroativo, quando a proposta original era de pagar 72%, além do abono. No caso do calendário de reforma de escolas, o governo dizia que tinha cinco anos para cumpri-lo. A pressão da greve fez o governo reduzir a meta para 18 meses.
De negativo, aponta a intransigência do governo, que teria apelado inclusive para o assédio moral, com a publicação de uma pré-folha de pagamento com desconto dos dias parados dos grevistas. Resultado: os contracheques foram zerados. “Um processo claro de intimidação, que não teve a acolhida nem do Ministério Público, nem do Judiciário paraense, menos ainda do Poder Legislativo”.
Para a Associação dos Concursados do Pará (Asconpa), a suspensão da greve dos profissionais da rede estadual de ensino não representa o fim da luta travada por essa categoria. “Não podemos ceder a um governo que criminaliza os movimentos sociais ao mesmo tempo em que não executa garantias acordadas em mesas de negociação, como fez Simão Jatene em reunião com servidores da Adepará, Detran e tantos outros órgãos”, enfatiza o presidente da entidade, José Emílio de Almeida. Ele acrescenta que a Asconpa luta por nomeação, mas também para que cada servidor efetivo seja respeitado na execução das suas funções trabalhistas, conforme previsto nos editais dos concursos públicos.
(Diário do Pará)

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